Linha 1-A do Metrô, o engodo e a destruição do sistema

Hoje o texto não será meu, copiarei o texto de Fernando Mac Dowel na revista do CREA-RJ de Maio de 2009, onde as verdades omitidas pela imprensa são mostradas em todas as letras.
 

metro-cinelandia-1981

 
Há 11 anos, o Consórcio Opportrans (Metrô Rio) está à frente do transporte metroviário no Rio de Janeiro. No dia 19 de dezembro de 1997, na Bolsa de Valores, ele assumiuo direito de explorar o serviço durante 20 anos. Pelo contrato, a concessionária ficaria responsável pela administração e a operação do sistema, cabendo à Rio Trilhos (governo estadual) os investimentos para a expansão da rede e a compra de novos trens.
No final de dezembro de 2007, a concessão foi renovada até 2038 e o Metrô Rio assumiu a responsabilidade pela construção da Linha 1A, que ligará a Linha 2 à Linha 1 (São Cristóvão-Central), acabando com a necessidade de transferência na estação de Estácio – atualmente o maior gargalo do sistema. A alternativa original de expansão da Linha 2 do Metrô, a partir da Estação Estácio, passando pela Estação Carioca e se estendendo até a futura estação Praça XV, foi completamente desconsiderada.
A Estação Estácio é considerada a grande vilã do sistema. Apesar de ter sido construída como estação definitiva de correspondência entre as linhas1 e 2, opera há 30 anos como terminal provisório da Linha 2. Entretanto, ela foi o motivo principal da solução unilateral da concessionária e aceita de imediato pelo Governo, sem a mais leve análise sistêmica técnica. Em futuro muito próximo, jamais essa decisão será perdoada pela população, se for, de fato, implementada.
Objetivamente, a proposta aceita pelo Governo carece de visão sistêmica dos transportes, pois congela toda a Linha 2 com intervalo de 4 min entre trens de 6 carros, que corresponde à capacidade 18 mil pass/hora, considerando 4 pass/m2, contra o projeto original de trem de até 8 carros com intervalo de até 100 segundos, que corresponde à capacidade de escoamento de 60 mil pass/hora.
Assim, o Rio perde o principal sistema de transporte de massa, importante ferramenta que poderia alicerçar a Política efetiva de Transportes na Cidade e na Região Metropolitana, até porque o Metrô é um Sistema de Transporte que não admite erro.
E mais: a concepção original da operação das Linhas 1 e 2 permite a operação independente, ou seja, qualquer problema em qualquer uma daslinhas permitirá sempre a operação de uma das Linhas. Isto porque há dois pontos de contato entre as duas linhas em nívies diferentes e descentralizados,o que flexibiliza a distribuição dos passageiros através da escolha entre as duas estações de correspondência, Estácio e Carioca.
Operação engessada
Já no que concerene à concepção operacional da Concessionária, além do congelamento mencionado, ela consegue ainda engessar a operação, pois qualquer problema que ocorra em um dos segmentos das Linhas 1 e 2 unificadas, paralisará todo o sistema metroviário.
Isso acontecerá porque não haverá mais interseções desniveladas, mas sim em nível, na mesma linha, na área do chamado Y, seja na subida em direção a Pavuna, seja no sentidocontrário para Copacabana, reduzindo de forma significativa a flexibilidade operacional em relação ao projeto original.
A solução conceitual provisória proposta pela Concessionária estabelece que o mesmo trem com 6 carros que sai da estação Pavuna na Linha 2 será o mesmo que chegará em Botafogo na Linha 1 a cada 4 minutos. É uma solução que se contrapõe à implantação definitiva do trecho prioritário do Metrô, que envolve a expansão da Linha 2, projetada originalmentepara trens de até 8 carros a cada 100 segundos de intervalo, “viaAvenida Chile”, entre as estações de correspondência Estácio e Carioca, estendida à futura estação Praça XV de integração com o Sistema de Transporte Aquaviário.
Cabe ressaltar que, hoje, no pico do horário matinal na Linha2, os passageiros, a partir da Estação Irajá, que desejam ir para o Centro, viajam no sentido contrário até a Estação Pavuna, para a partir daí seguirem para o Centro.
Essa aberração se dá devido ao número de carros por tremvariar entre 4, 5 e 6 carros e aintervalos de 4 min 25 segundos,que resultam numa capacidade de escoamento insuficiente para atender a atual demanda no horário – embora originalmente a Linha 2 esteja preparada para trens de 8 carros com intervalo entre trens de até 100 segundos, correspondendo à capacidade máxima de 60 mil passageiros por hora e por sentido, para a mesma taxa de 4 passageirospor metro quadrado.
Embora uma das principais linhas de desejo dos usuários da Linha 2 seja Copacabana, esses terão que trocar de trem na Estação Botafogo. Da mesma maneira, os usuários da Linha 2 (quase 20% da demanda-PDTU) que diariamente se dirigem para Tijuca terão que trocar de trem na estação Central.
Mas não há condição física para atender a essa nova demanda transferida da Linha 2 na Estação Central, devido ao fato de o intervalo entre trens que se dirigem a Tijuca ser grande (4 min). Por conseqüência, esses usuários ocuparãopor mais tempo a única plataforma da Estação Central, que ainda recebe concentrada e crescente demanda de usuários advindos dos trens da Supervia a partir da Estação Pedro II.
Abandono de R$1,1 bilhão
Para materializar a proposta da Concessionária (Linha 1A), a partir da Estação São Cristóvão (Linha 2), está prevista a construção de um viaduto provisório de2.029 m (2 km) em via singela e outro viaduto provisório de 803m em via dupla, mais a construção de uma nova estação na altura da Prefeitura, chamada de CidadeNova. E ainda será criada a estação Uruguai no final do rabicho da Tijuca (já construído pelo Governo), com pequenas adaptações nesse próprio rabicho para ser a estação Uruguai.
Se, por um lado, a Concessionária, em troca de 20 anos a mais de concessão – portanto estendendo esse período até 2038 – despenderá R$ 1,147 bilhão, paradoxalmente, abandona R$ 1,1 bilhão em operação e a estação Carioca, já com as brutas prontas da Linha 2.
Esses viadutos provisórios serão construídos na área do Centro de Manutenção do Metrô (AvenidaPresidente Vargas), até adentrar no acesso de serviço construído originalmente para operar com trem vazio, ou seja, sem passageiro. Afinalidade operacional do Centro de Manutenção, portanto, é retirar ou injetar trem na Linha 1 a velocidade não superior a 20 km/h, até porque a curva composta em“S” apresenta raio pequeno (<100m), sem curva de transição. Mas, para a Concessionária será “umalinha comum transportando passageiros”,com a agravante de serem rampa de quase 4% (3,8%) de inclinação, com velocidade tanto na subida quanto na descida não superior a 20 km/h devido exatamente à curva composta em “S” com raio pequeno (<100 m).
O resultado dessa operação fará com que o headway (intervalo entre os trens) “teórico” resultante entre o Trem da Linha 2 (que virá da Pavuna) e o Trem daLinha 1 (que virá da Tijuca) na mesma seja de apenas 2 min. Isso se não fosse ocomportamento probabilístico real dos headways tanto dos trens que vêm na Linha 2, quanto os da Linha 1, que elevarão para 3 min (e não 2 min como preconiza o novo projeto) os intervalos entre as estações da Linha 1 Central e Botafogo.
Por que, na prática, este intervalo de 2 min não ocorrerá? Não ocorrerá devido ao fato de a distribuição dos intervalos entre trens do Metrô tanto na Linha 1 (vindo da Estação Saens Peña) quanto na Linha 2 (vindo da Estação Pavuna) não ser determinística, ou seja, não se acerta o relógio com a chegada do trem na estação. E o pior é que as respectivas distribuições probabilísticas ainda são diferentes, o que acarreta valores absolutamente distintos no intervalo de uma hora e elevam estes 2 min de headway para quase 3 minutos, com a mesma frota em operação dimensionada para 2 min.
Segundo ainda a concessionária, a respeito da solução proposta, o Metrô transportará 1 milhão de passageiros por dia, portanto, aproximadamente odobro do que atualmente transporta.
A solução provisória proposta pela concessionária limitada à taxa de 4pass/m2 entre estações consecutivas corresponde a receber na Linha 1 até 695 mil passageiros por dia e na Linha 2 apenas 160 mil. Já na solução original, com a implantação do trecho Estácio, Carioca e Castelo (Barcas), a Linha 1 poderá receber até 939 mil passageiros por dia, portanto 35% a mais, enquanto a Linha 2 até 516 mil, o que representa mais que o triplo (3,2) de passageiros que o da solução proposta pela Concessionária.
No total, a solução proposta pela Concessionária soma apenas 855 mil entrada de passageiros por dia, ou seja, 70% a menos que a alternativa original, de 1,45 milhão passageiros por dia, mantendo a taxa de 4 pass/m2.
Finalmente, perdeu-se uma excelente possibilidade com o acordo do Governo com a Concessionária de substituir o IGPM pelo IPCA no que tange ao reajuste do valor da tarifa e também de, através do modelo Sistêmico de Engenharia Financeira, ter incorporado o trecho Estácio/Carioca/Praça XV (investimento de R$ 800 milhões), porque para manter a mesma Taxa Interna de Retorno, conjugada à própria expectativa da Concessionária de trasnportar 1 milhão de passageiros por dia em 2010, pode o investimento chegar até a R$1,8 bilhão.
Engenheiro Fernando Mac Dowell
Pofessor Livre-Docente da Coppe/UFRJ
 
Na foto uma panorama da hora do rush da Estação Cinelândia em 1981