Praça Sarah Kubitschek – origem – urbanismo particular – primeiro urbanismo público

Como já falamos em outros posts a origem da Praça Sarah Kubitschek era um relativo mistério, ainda mais por ela não contar com nenhum projeto de alinhamento na Secretaria Municipal de Urbanismo, o que na prática a faz um “não logradouro público”. Aventamos ela estar ligada ao falecido Hotel Belvedere, pela análise de alguns mapas da Av. Nossa Senhora de Copacabana e Rua Saint Romain, mas hoje descobrimos que não.
Mas de fato ela está ligada ao 3 prédios que a circundavam.
Voltemos então aos anos 30 do séc. passado, Salim Neder, comerciante importante no Rio resolve comprar diversos terrenos no Posto V, sendo o último deles do Min. Filadelfo de Oliveira, neles o empresário planejava a erguer 3 edifícios, o primeiro homenageava seu nome,  Nêder, o segundo seria nomeado com o de sua filha, Glorinha, e o terceiro de Sta. Therezinha. Construído o primeiro, o Nêder  em 1931, o Sr. Salim Nêder pretendia construir o Glorinha com a mesma altura vizinho Ed. Líbano, que subia na mesma época construído pela Balassiani, também colado nas encostas rochosas do Morro do Pavão, para isso, depois de algumas negociações a adaptações na planta,  assinou um termo com a PDF em 1934, sendo signatário o prefeito Pedro Ernesto onde foi condicionado aos 14 andares do Glorinha, mesmo número que o Líbano, que fosse criado um recuo de 30 metros em relação da caixa da Av. Copcabana, permanecendo o Sta. Therezinha com 7 andares permitidos pelo gabarito, tal como tinha sido o Nêder anos antes. A área já existia desde antes a construção do Nêder e em 1930  estava inurbanizada, servindo de parqueamento de automóveis. A essa área de recuo a prefeitura fez constar no termo de licença do Glorinha que seria constituída uma servidão pública arborizada e ajardinada a fim de manter as condições de habitabilidade, iluminação e ventilação dos imóveis fronteiros. O Therezinha começou a ser construído logo depois, com frente para a servidão e no limite lindeiro do lote, dada as características das licenças, mas o Glorinha não.
A imagem abaixo mostra no extremo esquerdo o Nêder tracejado, o Glorinha com “construção projetada” e o terreno do Sta. Therezinha, recém adquirido como terreno, no extremo direito a vila, que existe até hoje, chamada de Alameda Glorinha e na parte inferior da planta a Av. Copacabana. Podemos ver bem a servidão dentro dos círculos de com rabiscos no entorno.

Em 1935 o Sr, Nêder, se associa com os irmãos Andraus, que tinham negócios no Rio e São Paulo para constituírem a  Andraus & Nêder Ltda, a nova firma ficou com todos os imóveis do Neder e do Therezinha e iniciou a construção do Glorinha, rebatizado de Andraus,  e com modificações nas fachadas e nos tipos de apartamentos, sem conhecimento da PDF, que na época tinha um cadastro com o nome dos edifícios e suas respectivas licenças. Em 1937 o Sr. Nêder se retira da sociedade.
Passados pouco mais de 20 anos os moradores do Neder, Therezinha e Andraus, muitos dos quais tinham comprado seus apartamentos poucos anos antes, porque a Andraus começava a se desfazer  dos imóveis no Neder e Andraus, foram surpreendidos numa manhã de 1957 com operários cercando a pracinha, arrancando toda a vegetação e retirando o sistema de iluminação.

A Andraus tinha enredado uma tramoia com agentes da PDF, pois desde o início da década de 50 tinha nas brumas da burocracia, primeiro desmembrado a servidão junto com a venda dos imóveis e depois tentado erguer um prédio de 12 andares no terreno da praça, permissão essa negada por pelo menos 4 vezes até que em 1956 usando-se de um expediente vil a Andraus, sonegando documentos induz o Juiz de Registro Público a erro e transforma a servidão em terreno ajardinado e cercado, liberando o terreno. Na continuidade em 1956 novo  conluio envolvendo a filha do secretário de viação, autora da planta do novo imóvel, e de gente da secretaria de urbanização, dando permissão de construção, sendo sonegadas as plantas de 31, 34 e a cessão de 35, o documento pousou sorrateiramente na mesa do prefeito do PDF, Negrão de Lima, que despachou a licença de obras.
Dado o início do escândalo e interpelada pela vereadora Lígia Lessa Barros a PDF ainda com Negrão cassou a licença, embora este documento também tenha desaparecido do gabinete do prefeito, a Andraus então entrou na justiça contra a PDF, nesse meio tempo todos os documentos dos anos 30 sumiram misteriosamente do Registro Geral de Imóveis, com tudo a favor a Andraus ganhou o processo até o STF, os moradores e crianças protestavam em 1959, colocando panos pretos na praça, que embora sem tapumes mandados derrubar pela prefeitura estavam ameaçados de perder a praça, ao menos que a PDF, já na figura do prefeito Sá Freire Alvim pagasse uma fortuna a Andraus e até mesmo aos netos de Filadelfo de Oliveira que entraram como litisconsortes no processo e alegavam que era devidas a eles também uma indenização (!!!)
Essa foto que inclusive publicamos como inauguração da praça, na realidade mostra o protesto dos moradores, vemos faixas e panos pretos na praça, e ela ainda mantém o ajardinamento  feito pelo Salim Nêder, embora em 1957 todas as árvores tenham sido cortadas pela Andraus , pequenas mudas de flamboyant tinha sido plantadas pela FPJ, que cuidava da praça junto com os moradores..

 
Mas nos fins de 1959, o Sr. Carlos Nêder, exilado em Mato Grosso desde a morte de sua filha no incêndio do Vogue dá entrevistas bombásticas ao Correio da Manhã e ao Jornal do Brasil, afirmando que ele tinha doado a área, e que embora os documentos tinham sumido das varas de registro, ele possuía cópia de tudo e iria ajudar as crianças. Chegando no Rio dia 20 de Janeiro de 60, trouxe os documentos e se reuniu com o prefeito do DF, a Associação dos Amigos de Copacabana,  uma comissão de moradores e crianças e vários vereadores, saindo de lá com o título de Cidadão Carioca
Tal declaração ciou uma reação furiosa da Andraus, que interpelou o Sr. Salim por edital da XIII Vara Cível do DF no final de Janeiro de 60 para que provasse a verdade, afirmando que tudo o que ele falava era mentira, embora a Andraus já estivesse sendo torpedeada por colunas no Última Hora e A Noite onde todas as maracutaias estavam sendo expostas. Em Fevereiro de 60 a área foi afetada como logradouro público, validando os documentos entregues pelo Sr. Salim Nêder, e a briga continuou entre a Andraus e o EGB, onde parece que o estado pagou um valor bem abaixo do pretendido pela Andraus, por o terreno ser não edificante desde 1934.

Em 1968, Negrão de Lima, entrega a praça com seu primeiro urbanismo público, com parque infantil, antiga reclamação dos frequentadores, iluminação à mercúrio com as novíssimas luminárias da Peterco apelidadas de Chapéu de Chinês e grades retiradas da Av. Francisco Bicalho.
A praça permaneceu assim até os anos 90, quando primeiro foi gradeada e reformada e depois o Rio-Cidade aumentou a área com a demolição do Sta. Therezinha, repassado pela Andraus ao Grupo Windsor que o mantinha fechado há mais de 10 anos depois de ter tentado ali construído um hotel acima do gabarito.
Se a praça existe, devemos agradecer o Sr. Salim Nêder, que certamente honrou a memória de sua filha Glorinha.